segunda-feira, dezembro 18, 2006

Sou eu, sou eu...










Quase que dava um beijo ao LP, pelas fotos que me tirou... (quase, ;) )... A verdade é que foi graças a ele, que finalmente, fiquei com um registo decente de mim a surfar!
Raramente me tiraram fotos estando eu dentro de água e até à data, eram fotos comigo a cair, ou depois da onda ter fechado, ou antes de dropar, ou num contraluz imenso que não se percebia nada... Bem, desta vez apareço eu numa sequência tirada em Peniche, numa sessão onde apanhei mais porrada que ondas e num set mais pequeno...

sexta-feira, novembro 10, 2006

Alma Salgada na SurfPortugal

Este mês foi publicada na Surf Portugal uma carta que para lá enviei. Por um lado fiquei contente da terem publicado, por outro ela é extremamente pessoal e só a enviei num impulso que foi igual ao que ma fez escrever... Deixo-a aqui para quem tiver interesse em a ler:

"Há coisas na nossa vida, que não podemos escolher, entre elas está o facto de ter nascido no interior, longe do mar, no Alentejo (profundo). A praia para mim era uma experiência de Verão, nas férias, muitas vezes passadas na Costa Alentejana, em Almograve ou na Zambujeira. Lembro-me de ser miúdo e pensar que era num daqueles sítios que iria morar mais tarde. Foi também numa dessas férias que vi pela primeira vez alguém surfar e de ter ficado completamente extasiado com a possibilidade de o vir a fazer. Essa realidade teve no entanto de esperar, pois continuei a viver no interior até entrar na faculdade. Isso aconteceu em 93 quando tive a sorte de ingressar na Faculdade de Ciências e Tecnologia no Monte da Caparica, a meio passo das praias da Costa. Juntei a esforço algum dinheiro e a meias com um colega comprei a primeira prancha, uma Atlântico 6'8'', que já tinha sido partida ao meio nas mãos do anterior dono. Por acaso esse meu colega nunca a chegou a usar, mas eu pelo contrário entrava praticamente todos os dias e em pouco tempo lá me comecei a levantar nas espumas, completamente "stoked" com a coisa.

Entretanto o curso não correu às mil maravilhas, talvez, em parte, por escolher surfar nas manhãs de off-shore em vez de assistir às aulas (coisa da qual não me arrependo nada). Assim fiquei mais uns anitos na faculdade, para além dos que devia. No entanto, como eram os meus pais que estavam a custear essa minha falta de responsabilidade, resolvi começar a trabalhar mais cedo, mesmo estando em falta algumas cadeiras. Entrei para uma empresa em Lisboa, onde entrava às 8h30m e saía às 18h ou 19h. Durante o Inverno era quase impossível surfar, pois no fim-de-semana tinha de estudar para acabar o curso. As surfadas, muitas vezes, eram feitas à hora de almoço, quando conseguia fugir ao meio-dia do escritório. Ia a abrir para a Costa, surfava 1 horita, comia uma sandocha e voltava a correr para o meio do pessoal engravatado, eu com o cabelo ainda meio molhado e as sobrancelhas cheias de sal.

Foi nessa altura que, apesar de em parte gostar do que fazia, percebi o que não queria que a minha vida fosse. Talvez inspirado pelos textos do Cadilhe, talvez por ter sempre vivido um pouco à margem do convencional, resolvi que não iria trabalhar enclausurado num escritório, da casa para o trabalho, do trabalho para a casa, sem tempo para nada. A minha vida estava com um conteúdo limitado, desinteressante, sem qualquer luz...

Entretanto a minha namorada tinha acabado o seu curso ao melhor estilo de menina bem comportada, nos 5 anos e com muito boa média e teve oportunidade de vir a trabalhar na nossa cidade natal, no Alentejo profundo. Sendo assim, só nos víamos em contra relógio aos fins-de-semana. Ainda tentou arranjar emprego mais perto de mim, mas na área em que trabalha, não há muita oferta de emprego e o dela ao menos era estável… Desistiu da ideia...

Foi então que resolvi fazer algo, que na verdade, não me foi nada fácil, deixar aquele emprego, a possibilidade de carreira e aceitar uma proposta de trabalho longe do mar mas perto dela. Coisa de apaixonado. Voltei para outras ondas, as das planícies alentejanas semeadas de sobreiros e azinheiras. Mas mantive-me a surfar aos fins-de-semana em incursões à costa… Casei, comprei por lá casa e tive há um ano um rebento. Mas não foi como nos contos de fadas, não fiquei feliz para sempre, pois vi-me amputado de uma vida ao pé do mar… É verdade que tenho uma vida com uma qualidade que sei acima da média. O puto T (Tiago, o meu filho), não é despejado para uma qualquer creche, na altura em que trabalhamos, vai antes para a casa de uma familiar já reformada e com muito amor para lhe dar. Os avós estão presentes na vida dele, tal comos as tias e sei, que este é um local onde ele pode crescer de forma saudável… A minha casa, comprada pelo preço de uma casa modesta em Lisboa, é do dobro do tamanho do que seria por lá e com o dobro das condições, em vez de estar no meio do betão estou a minutos do campo e tenho muito mais tempo livre, pois não perco uma hora ou duas no trânsito.

Falta talvez dizer que, entretanto e como a vida tem daquelas coisas que a gente não entende, após 6 meses de vir trabalhar para o Alentejo, depois de renunciar ao óbvio, não me renovaram o contrato e fiquei desempregado. Ao contrário do que possam pensar, esse foi um momento de sorte, um ponto de inflexão na minha vida, pois foi esse facto que me motivou a trabalhar por conta própria, com um colega de Lisboa, o que me permite passar algumas temporadas por lá e alguma flexibilidade para poder surfar de vez em vez.

Escrevi em parte, para vos dizer que, em muito contribuem para que eu continue a procurar o mar e não desista de sonhar em voltar para ele.

Somos nós que desenhamos a nossa vida, mas nem sempre a podemos pintar com as cores que queremos… cada passo que damos numa direcção nos afasta de outra. E por vezes as escolhas que fazemos, com objectivos aparentemente acertados, também nos condicionam e nos encerram em becos sem saída.

Pedro Ferro
Estremoz"


Resposta do Ed
“E aqui está uma mensagem que nos dá o raro prazer de dizer bem alto: dever cumprido! Só por isso, agradeço-te, Pedro e lembra-te sempre das sábias palavras de Rabbit Bartholomew: "Se o surf corre bem, a tua vida corre bem" “

Não me esqueço não senhor, para além de concordar com estas palavras até acho que já as usei aqui no blog!

terça-feira, outubro 10, 2006

Surfistas como nós I – Jun Matsui, Life Under Zen

Jun Matsui por Mr. Samizu

Jun Matsui é um artista plástico que muito admiro, descobri o seu trabalho pela net quando procurava imagens de tatuagens e desde então fui sempre acompanhando o seu blog onde ele apresenta algum do seu trabalho e da sua vida.

Apesar de não ter nenhuma tatuagem, aprecio imenso esse género de expressão, principalmente quando os trabalhos em causa assumem o estatuto de arte e este é sem dúvida o caso dos de Jun...

As tatuagens dele são quase sempre grandes e sendo ele japonês isso quer dizer mesmo enormes, só assim, afirma, se consegue atingir uma cumplicidade grande entre a tatuagem e o corpo…


Hoje em dia ele só utiliza tinta preta nas tatuagens, por considerar que resulta mais orgânico, clássico e por ser a cor aplicada nas origens da tatuagem. O estilo dos seus desenhos é quase sempre tribal, mas bastante sofisticado e os temas mais recorrentes referem-se a grafismos indígenas, Samoa, Tahiti, Bornéu, Amazónia ou Japão…

Para além das tatuagens, Jun desenha roupa e já lançou várias colecções. Tem uma loja no centro de Tóquio, a “Life Under Zen” (LUZ), cujo interior foi igualmente criado e decorado por si…



Mas a sua arte é multifacetada e não se queda por aqui. Recentemente trabalhou com o shaper Abe Hiroshi e desenhou algumas pranchas para ele...

Digam lá se não gostariam de ter uma prancha assim, Jun Matsui em plena actividade artística

No ano passado foi convidado pelo Tetsuya Nomura , o designer do Final Fantasy, para criar uma tatuagem para uma das personagens virtuais do filme “Advent Children”.


Jun está sempre em constantes viagens e é comum ver no seu blog fotografias dele no Vietnam, Tahiti, Brasil, França, Hawai, apesar dessa agitação é fácil perceber que ele mantém a sua Life Under Zen…

Outra das vertentes do seu trabalho, o body painting!

sábado, setembro 23, 2006

Restart



O surf funciona para mim como contrapeso na minha balança da sanidade mental… Eu explico, mas começo por esclarecer que já lá vão quase três longas semanas sem surf…

Dizia eu que explicava, pois então, irei tentar…


A vida consome-nos diariamente a atenção para ninharias, para problemas, para arrelias, para esforços inconsequentes… Por muito boa atitude que queiramos ter, existem questões que se apoderam de nós e nos envolvem em tensões, em stress, que nos enchem a cabeça e que não nos deixam tomar uma postura relaxada perante o dia a dia…

O surf desenvolve-nos uma maior aptidão de equilíbrio, foto de David Pu'u

Acredito que é essencial termos a chave que nos liberte de toda essa carga emocional negativa… A minha é sem sombra de dúvidas o surf… Quer dizer, haverá outras, como a música, o estar com os amigos, o beber copos, o ter sexo, etc, etc… Mas, pessoalmente, a que é mais funcional, a que assume a excelência em termos de eficiência, é sem dúvida o entrar no mar e surfar!

Para mim funciona como “restart”, é como se água dissolvesse o que não me é essencial e me deixasse novamente solto e eu próprio.


Surf ao pôr-do-sol, haverá melhor terapia? Foto de David Pu'u

Sinceramente não percebo a razão por detrás de tão grande força libertadora… Facilmente poderia embarcar em considerações de índole psicanalítica e comparar a entrada na água do mar com o retorno ao líquido amniótico que nos protege ainda enquanto fetos e que com isso procuramos essa sensação inicial de conforto e segurança… Mas, sinceramente, tudo isso me parece muito rebuscado… O mar liberta porque liberta, ora essa… Porque soltamos uma energia imensa no drop… Porque a atenção dispensada na tentativa de consonância com o mar nos faz esquecer que o mundo existe p além da onda e de nós próprios… Porque balançar ao sabor das ondas nos embala e nos conforta… Porque sentados na prancha à espera do próximo set olhamos concentrados a linha do horizonte… Porque o pôr-do-sol visto dentro do mar se assemelha a um espectáculo apreciado num camarote de luxo na primeira fila…


Ir surfar não se resume apenas a ir para dentro do mar. Ir surfar é também disfrutar de toda a envolvência natural existente nas praias. Algas sobre os calhaus da maré baixa, foto de José Romão, livro "Cabo da Roca" (qualquer dia terei de falar inevitavelmente deste livro).

Num mundo pleno de actividades e distracções virtuais, num tempo onde tudo se quer imediato e de fácil consumo, surfar ainda pode ser algo de orgânico… coisa simples… que nos reafirma o que é verdadeiramente importante e nos reorganiza mentalmente… A mim afere-me o equilíbrio da minha balança da sanidade mental e deixa-me novo e pronto para a vida…

Esta semana sei que irei ter oportunidade de surfar…

domingo, setembro 17, 2006

Water Light Time

Sempre nutri um gosto muito especial por livros, tanto que me evito inúmeras vezes de passar em frente a livrarias.


Parece um contra-senso, mas na verdade não é. A questão é que sempre que entro numa, o risco de ruína financeira pode tornar-se real. São inúmeros os títulos que gostaria de ter e descubro sempre outros, dos quais desconhecia a sua existência, mas que resolvo serem essenciais. Para agravar esta minha falta de auto controlo, os livros ostentam, hoje em dia, preços verdadeiramente obscenos.



Tirando estes “pequenos” pormenores, adoro o ambiente de uma livraria, principalmente das mais antigas e intimistas, cujas fileiras de estantes cheias de livros as fazem assemelhar mais a um santuário ou lugar sagrado. De certa maneira, essa forma de ver as coisas, leva-me a abrir os livros quase solenemente, a avaliá-los de forma cuidada, a deleitar-me com o folhear das folhas de papel ainda imaculadas...



Se bem que já desvirtuado dessa aura quase mística das livrarias antigas, também me agrada o conceito contemporâneo que a Fnac apresenta, com a sua vasta escolha de livros toda muito à disposição e os seus inúmeros assentos espalhados pela loja a convidarem a uma apreciação serena… aparenta-me, sinceramente, um ambiente muito democrático.



Como surfista sinto-me especialmente atraído por livros que se debrucem pela nossa cultura, pela nossa história, livros que falem de surf, das ondas e dos locais de excelência que as acolhem, dos heróis e personalidades que se destacaram pela sua prática, mas também livros de fotografias com o mar como principal protagonista. Se pudesse tinha todos os que encontrasse...



Pois o propósito deste post prende-se, precisamente, com o de partilhar e apresentar uma das minhas últimas aquisições, um livro que andei a namorar durante algum tempo nas livrarias e que finalmente assenti ao devaneio de comprar. Chama-se “Water Light Time” e debruça-se sobre a extraordinária obra fotográfica de David Doubilet, um mergulhador, jornalista e image-maker, que é aclamado pelo mundo fora como o melhor fotógrafo subaquático.



O livro possui poucos textos, mas um número incontável de fotografias notáveis. É incrível como uma única pessoa consegue vivenciar e ao mesmo tempo congelar tantos momentos únicos e espectaculares… Deixo aqui uma pequena amostra.

quarta-feira, setembro 13, 2006

Competição

Há quem sinta que a competição não encaixe na sua definição de surf, que tenha uma visão purista do acto e o veja apenas como gesto de expressão pessoal, sem espaço para apreciações alheias. Percebo e até acho bonito, mas não partilho essa imagem.


Kelly Slater e os seus 7 títulos de campeão do mundo, é a face do surf de competição, foto de Sam Jones

Eu gosto de surf de competição. Acima de tudo porque também gosto de ver surf para além de o praticar, principalmente se ele se apresentar de excepção como é habitual nos campeonatos do mundo…


Sei que os campeonatos e as marcas de surfwear que os patrocinam promovem o surf e tornam a sua prática cada vez mais generalizada, obviamente que lhes interessa alargar o mercado e obter maiores lucros e quanto a esse aspecto assumo, sem sombra de dúvida, uma atitude egoísta… Quantos menos formos melhor.

Joel Parkinson é, a meu ver, um dos surfistas do tour mais excitantes de ver em acção. Aqui com a sua mulher e a sua filha Evie Parkinson: “- Papá, papá, hoje vais ganhar tu, não vais?”, foto http://www.aspworldtour.com

Mas de outra forma, é o lado competitivo do surf, enquanto desporto, que eleva os patamares de performance, é ele o principal responsável pela evolução do surf, pela criação de novos artigos, melhores pranchas e shapes optimizados… É graças a ele que se investigam hoje de forma profunda novos materiais, se criam fatos mais quentes, elásticos e confortáveis, se estuda a influência dos fins, da sua forma, tamanho e flexibilidade na surfada… ou seja, existe esse aspecto da competição que coloca todos a ganhar, até aqueles que não gostam dela…

Dane Reynolds a redefenir o conceito de aéreo, em 2005 Boost Mobile Pro, foto http://www.aspworldtour.com

Existe ainda um aspecto que acho muito interessante, que é o facto de achar que as regras das provas acrescentam uma nova dimensão ao desporto, não interessa apenas surfar melhor, é necessário assumir, igualmente, a melhor estratégia, ter o melhor timming, é saber fazer uso da prioridade, saber avaliar o risco de tentar uma manobra mais radical, saber arrancar mais pontos numa manobra ao executá-la nas zonas mais críticas da onda e é saber finalizá-las por completo.

Eu sempre fui extremamente competitivo, não quero dizer com isto que me importo especialmente se ganho ou se perco, mas sim, que acho que quando se aposta, nem que seja uma imperial, as coisas se tornam muito mais interessantes…

Ontem começou o Boost Mobile Pro of Surf em Lower Trestles, San Clemente, Califórnia. O 7º evento dos onze que constituem o WCT (World Champion Tour). Para gáudio de todos os que partilham este gosto pelo surf de competição, pode-se apreciar a prova em directo no site oficial da mesma.

San Clemente Pier, foto http://www.aspworldtour.com

sexta-feira, setembro 08, 2006

Brasil

Recebi recentemente, por parte de um brasileiro, uma simpática mensagem de feedback relativamente a este blog. De forma elogiosa disse-me que nós “d’além mar”, entendemos o surf
de maneira bem peculiar...

Também me parece que a forma de entender o surf varia com a cultura que o aloja... Mas quais serão as principais diferenças entre a forma brasileira e a portuguesa?

Adriano de Sousa "Mineirinho", foto em http://oakley.com/


Talvez seja uma generalização
abusiva pensares que a forma de entender o surf em Portugal é toda coincidente com a minha... Não é...

Gosto de tentar preservar a ideia que o surf é também companheirismo e partilha... Tento olhar mais para as boas atitudes e experiências positivas que do surf se obtêm, mesmo sabendo que, hoje em dia, ele também nos oferece inúmeros aspectos negativos, como o crow
d, o localismo, a competição exacerbada dentro de água que muitas vezes se parece sobrepor ao próprio gozo de estar dentro do mar...

Agora, há uns dias, tive a oportunidade de ver o jogo de futebol, Brasil - País de Gales (na verdade só consegui mesmo ver a 1ª parte) e comentava com um amigo, exactamente como a cultura brasileira se reflectia tanto na forma como jogavam... Bonito de se ver...



Wiggoly Dantas, 16 anos, nova bombinha brasileira, foto de Daniel Smorigo

Obviamente o mesmo acontece com outras selecções, na alemã, por exemplo, que é de uma precisão mecânica, ou na espanhola, que joga sempre de forma aguerrida... Quanto aos portugueses não consigo, penso eu, ter uma opinião muito objectiva... Somos, de certa forma, sonhadores e aventureiros, damo-nos a uns quantos rasgos de criatividade e somos bons a desenrascarmo-nos em situações aparentemente complicadas.
Mas, por outro lado, também sonhamos acima da realidade, tanto que muitas vezes ficamo-nos pelos sonhos e com realidades bem amargas... Estarei eu apenas a falar de futebol? Acho que não… Tudo isto se aplica, de certa forma, também ao surf...


Neco Padaratz, mesmo impedido de surfar na perna europeia do WQS já quase garantiu a sua presença no WCT do próximo ano, foto de Noemie Ventura

O surf no Brasil vejo-o verde e amarelo, como a vossa bandeira, ora revendo a energia do samba no shortboard, ora o doce balanço da bossa nova nas longarinas... Parece-me que aí as coisas também são piores no aspecto financeiro, se bem que nesse aspecto, se muito bem calha, qualquer dia estamos equiparados. Tenho a idéia que a molecagem brasileira tem de batalhar muito mais para conseguir uma tábua, um patrocínio ou qualquer apoio monetário, mas também constato que até isso utilizaram a vosso favor, formando surfistas cheios de garra, verdadeiros lutadores e muitos campeões...


... Mas isto talvez seja apenas uma visão de quem tenta sempre olhar as coisas pela positiva!

Já agora, eu mencionei como ponto a vosso favor as meninas da Reef Brasil?

domingo, setembro 03, 2006

César


Costa Nova, foto de Olga Gouveia

Tendo ainda uns dias de férias para gozar, resolvi tentar aproveitá-los para conhecer mais um trecho da nossa costa litoral portuguesa. Apesar de, perante estas situações, ter sempre a Costa Vicentina e a zona de Peniche como preferidas e a chamar por mim, decidi, desta vez, tentar variar um pouco o destino e rumar ao desconhecido.

A decisão seguiu a lógica. Sendo que no Verão o Norte do país é a zona mais profícua em ondas e tendo apenas realizado uma meia dúzia de surfadas por lá, bastou apenas escolher, exactamente, o local onde ficar… Aveiro foi o destino, mais propriamente o Parque de Campismo da Barra. Ajudou à escolha o facto de, assim, poder vir a reencontrar um grande amigo que já não via há anos, o César e conhecer pessoalmente uma amiga com a qual apenas tinha mantido contacto pela internet.

Sinceramente as expectativas não eram muito altas, não esperava encontrar ondas de excepção, nem locais de beleza ímpar… As previsões apontavam alguma ondulação, mas também muita nortada, condições que se cumpriram em pleno durante toda a estadia. Porém as descobertas mais apetitosas são sempre as mais inesperadas.

Como já referi, fui ao encontro de um amigo meu, o César, foi junto com ele que comecei a surfar. Durante algum tempo compartilhámos uma casa com uma localização de excelência, mesmo em frente ao mar, num 5º andar e com uma varanda enorme de onde checkávamos o mar e o melhor spot para surfar. Por diversas razões, as nossas vidas divergiram bastante do nosso 5º piso de sonho e infelizmente, em direcções muito diferentes… O César foi viver para o interior Norte e em cerca de 7 anos, período durante o qual não nos vimos, casou-se, teve dois filhos e deixou de surfar…


Vista da varanda do 5º piso, foto arquivo pessoal

Reencontrámo-nos na Praia de Mira, onde estava a passar uns dias de férias com os seus dois rapazes… A mulher não estava presente… Tentámos, atabalhoadamente, pôr-nos a par das nossas vidas, agora tão diferentes e distantes da ausência de responsabilidades de outrora… O César pareceu-me algo insatisfeito com a vida que leva, divide o seu tempo pelo trabalho e pela atenção que consegue dispensar aos seus dois filhos… Não tem por perto nenhum amigo e queixou-se de não ter nenhum interesse especial no qual despenda os seus tempos livres… Enquanto deambulávamos pelos areais da Praia de Mira, dividindo a atenção pelos nossos miúdos e pela nossa conversa, confessou-me ainda que a sua relação com a mulher poderia estar prestes a acabar, disse-me, igualmente, que tinha tido uma proposta para ir trabalhar para perto do mar e que muito possivelmente iria aceitar… Entretanto o seu menino mais pequeno que andava a correr junto à água caiu e molhou-se da cabeça aos pés… depois de lhe dar a assistência necessária retomámos a conversa, mas o rumo desta alterou-se… Falámos, entre muitas outras coisas, de surf, ou da ausência dele na sua vida desde que se mudara para o interior e como “aquilo” lhe fazia falta…


César, foto arquivo pessoal

Na Praia de Mira o mar quebrava em close-outs sucessivos e perguntei-lhe se conhecia por ali alguma praia com ondas decentes… Apesar do longo tempo que passou sem surfar os olhos dele permanecem de surfista… disse-me que apesar de ter passado ali quase duas semanas, só no dia anterior tinha descoberto uma praia onde lhe pareceu quebrar uma boa direita… Fomos almoçar e decidimos ir lá depois dar uma espreitada…

Um pouco mais a Sul da Praia de Mira, virando à direita junto a um posto da GNR, existe um parque de estacionamento que serve uma praia que se enche de veraneantes, mas de muito poucos surfistas. Nesta existe um pontão de altura generosa que entra pelo mar adentro como que concebido para resguardar a praia da nortada… Quando ali chegámos fiquei boquiaberto, em todas as praias da zona que andei a sondar, o mar estava completamente desmanchado, ali, pelo contrário, desenrolava-se uma direita, quebrando quase glass, comprida e cheia de power… Na água estavam apenas dois bodyboarders, e usando-os como escala pareceu-me estar metrão ou mesmo metro e meio...

Entrei sem grandes cerimónias, o César quedou-se pela areia com a criançada, não sendo ainda desta que quebrou o jejum de surf…

Recordo ainda com gozo algumas das ondas que fiz desde o início do pontão, ou o fim, conforme a perspectiva, até mesmo à areia… uma onda rápida e cheia de parede, sem secções pelo meio ou zonas mais moles… também me lembro do baldo que mandei numa onda de um dos sets maiores… um dos bodyboarders presentes, que estava a remar para a onda, cortou-se mesmo à última e como eu estava bem posicionado ainda tentei entrar nela… como comecei a remar tarde demais não ganhei a velocidade necessária e fiquei preso no lip, ou seja, um baldo de todo o tamanho com direito a mergulho de mãos e braços estendidos para a frente...

Foi daquelas surfadas que me gravou um sorriso na cara e me deixou pleno de satisfação, sim, mesmo com aquele wipe-out…

Quando saí do mar o César já se tinha ido embora… Sei que, por muita boa vontade que haja parte a parte, tão depressa não nos iremos encontrar, mas espero, sinceramente, que desta vez não seja por um período tão alargado de tempo… Por alguns momentos em que estivemos juntos, pareceu-me que os anos que passaram teriam sido apenas alguns meses… Felizmente pude constatar que algumas amizades não se diluem com o tempo…

Agradeço-te, César, a onda que me ofereceste para surfar e espero que, independentemente do que o futuro te reserve, eu te tenha oferecido o estímulo para voltares ao mar e reaveres aquela paixão que tinhas pelo surf…

quinta-feira, agosto 24, 2006

Intervalo


Foto de Frock

Recordo-me muitas vezes de um filme e em especial numa história contada por um dos seus protagonistas...
Contava ele que, em determinada expedição ao interior de uma selva, contrataram os membros de uma tribo local para servirem de guias e levarem alguma da sua carga.
O entusiasmo dos exploradores levava-os a querer andar depressa até ao seu destino final, mas os guias, os tais membros da tribo local, teimavam em parar frequentemente...

Surfista não identificado em Pipeline, foto de Dave Bjorn

demasiado
frequentemente até... mesmo sem aparentarem qualquer sinal de cansaço, não passava uma meia hora sem que eles suspendessem a marcha durante algum tempo... Estranharam o comportamento, mas respeitaram o ritmo, até que, já algo desconcertados com aquela atitude, lhes perguntaram o porquê de tantas paragens.


Foto de John Bilderback

A explicação, apesar de aparentemente ingénua, é facilmente geradora de muitas reflexões e possíveis analogias à nossa vida na sociedade moderna.


C. J. Hobgood, foto de Childs

Explicaram eles que, como estavam a andar muito depressa, sentiam que as suas almas podiam não estar a acompanhar o ritmo... como tal tinham de parar de tempos a tempos para que ela os alcançasse...


Foto de John Bilderback

Sugeria portanto um intervalo... e que, enquanto ficam à espera da vossa alma, se estirassem nos vossos acentos, clickassem no play do leitor de música aqui do lado e apreciassem com deleite estas imagens ao som da Carmina Burana de Carl Orff...


Juel Tudor em Pipeline, foto de J. Brother