quinta-feira, agosto 24, 2006

Intervalo


Foto de Frock

Recordo-me muitas vezes de um filme e em especial numa história contada por um dos seus protagonistas...
Contava ele que, em determinada expedição ao interior de uma selva, contrataram os membros de uma tribo local para servirem de guias e levarem alguma da sua carga.
O entusiasmo dos exploradores levava-os a querer andar depressa até ao seu destino final, mas os guias, os tais membros da tribo local, teimavam em parar frequentemente...

Surfista não identificado em Pipeline, foto de Dave Bjorn

demasiado
frequentemente até... mesmo sem aparentarem qualquer sinal de cansaço, não passava uma meia hora sem que eles suspendessem a marcha durante algum tempo... Estranharam o comportamento, mas respeitaram o ritmo, até que, já algo desconcertados com aquela atitude, lhes perguntaram o porquê de tantas paragens.


Foto de John Bilderback

A explicação, apesar de aparentemente ingénua, é facilmente geradora de muitas reflexões e possíveis analogias à nossa vida na sociedade moderna.


C. J. Hobgood, foto de Childs

Explicaram eles que, como estavam a andar muito depressa, sentiam que as suas almas podiam não estar a acompanhar o ritmo... como tal tinham de parar de tempos a tempos para que ela os alcançasse...


Foto de John Bilderback

Sugeria portanto um intervalo... e que, enquanto ficam à espera da vossa alma, se estirassem nos vossos acentos, clickassem no play do leitor de música aqui do lado e apreciassem com deleite estas imagens ao som da Carmina Burana de Carl Orff...


Juel Tudor em Pipeline, foto de J. Brother

terça-feira, agosto 22, 2006

Pais Babados

Matt Archbold com um do seus filhos - Foto de Art Brewer, Surfer, Outubro de 1998

Pai que é surfista, surfista que é pai, nunca deixa de imaginar a sua prole em cima de uma prancha… Até poderá haver algumas excepções, mas apenas para confirmar a regra… É inevitável… Que coisa haverá melhor para lhes oferecer que uma fonte de gozo e alegria tão eficaz como o surf…

Antes do meu Puto T nascer já eu tinha sonhado com ele a ensaiar um hang-five de forma descontraída… E sem sombra de dúvidas que mantenho como grande ambição vir a dar umas surfadas com ele…

Racionalmente pretendo, acima de tudo, que ele se descubra a si próprio e que venha a realizar os seus próprios interesses, não os que eu lhe projecte ou imponha… mas de quando em vez descubro o meu inconsciente a avaliar-lhe o gosto por água e o seu à-vontade junto ao mar… é claro que, também o levei a aulas de natação logo em bebé, ainda n tinha ele um ano e que quando lhe dou banho lhe molho imenso a cara para ele se vir a habituar aos wipe-outs mais tarde…

Na Caparica costuma aparecer aos fins da tarde uma família na praia… O pai entra com dois miúdos pequenos, talvez com os seus 7 - 8 anos, ou nem sequer tanto e juntos dão uma surfada… o pai vai-lhes dando umas dicas e motiva-os quando eles arrancam nalguma onda e eles passeiam a sua boa disposição, típica de crianças, sobre a água… Depois saem todos do mar e vão ter com o largo sorriso da mãe que os espera na praia com as toalhas… é bonito de se ver…

No fórum Atitude-Surf também estão por lá uns quantos pais babados, que sempre que têm oportunidade, partilham fotos e vídeos dos seus rebentos nas suas primeiras experiências surfísticas… ou quase…

Num filme que vi recentemente, salvo erro o “Free Ride”, aparece o Donovan Frankenreiter e o seu filho de um ano, ambos de pé, a deslizar de longboard numa onda… A seguir perguntam ao petiz o que ele achou da sua primeira onda a que ele balbucia uns sons imperceptíveis revelando que ainda nem sequer sabe falar…

Também no filme “Fábio Fabuloso”, aparece o próprio orgulhosamente a surfar com a sua molecada… Fabuloso…

Nas fotos aparece o meu Puto T ainda indeciso se vai ser goofy ou regular.

segunda-feira, agosto 21, 2006

Entusiasmado

adj. (do gr. enthousiasmos, transporte divino). Que se entusiasmou; arrebatado, exaltado.

Surfing, edição de Setembro de 1997. Sequência de Hughes

Quando comecei a surfar moía a cabeça dos meus amigos e em especial a da minha namorada com os avanços que ia registando na minha evolução… coitados... Eu até sabia que o assunto pouco lhes interessava, ou que até lhes passava ao lado, mas na altura os amigos que surfavam eram muito poucos e o entusiasmo, este, tinha que ser extravasado de alguma forma, nem que fosse em monólogos perante audiências pouco interessadas...



O surf tem essa magia, de nos encher de energia e felicidade ao ponto de a termos de partilhar à nossa volta.

Neste momento tenho alguns amigos que começam a surfar e é engraçado como revejo essa altura nos seus relatos entusiasmados… Por vezes as suas histórias resumem-se a contar como se levantaram na prancha e como conseguiram fazer a onda sempre a cortar no verde, mas os olhos faíscam o manancial de sentimentos gerados pelo “feito”...

Deixo aqui uma boa notícia para todos os iniciados, é que essa excitação não se queda pelos primeiros passos de aprendizagem.

Cada vez mais concluo que um dos princípios activos no surf, que nos deixa mais agarrados, é precisamente o de haver sempre algo a alcançar e a aprender. E o facto de conseguimos realizar o até aí impossível, nos injecta no corpo um entusiasmo e júbilo que nos deixa de alma alimentada...

Andei por aqui a consultar o meu arquivo de revistas e lá consegui encontrar esta sequência… Há imagens que nunca mais nos saem da cabeça, e eu sabia que estas estariam algures… Pancho Sullivan num tuberiding animal e em pleno orgasmo emocional...

sábado, agosto 19, 2006

Sonic Youth - I Love You Golden Blue


Não sei ao certo quantos anos de carreira já cumprem os Sonic Youth… talvez uns 25 (?)… No entanto, para além do evidente crescendo de maturidade daí decorrente, constato igualmente uma contínua e invulgar evolução e refinação no som que produzem…
Os seus dois últimos álbuns são sem dúvida o corolário do que acabei de afirmar… por entre melodias simples e distorções controladas surgem músicas suspensas numa fragilidade ímpar… uma audição atenta revela, ainda, os preciosismos e a sensibilidade que adorna o som que só grandes músicos conseguem despender…

sexta-feira, agosto 18, 2006

A minha primeira Surf-Trip!


Numa entrevista feita ao Tom Jobim, perguntaram-lhe como é que ele, enquanto músico, conseguia manter-se na vanguarda criando a melhor música brasileira do seu tempo… Não me lembro se os termos terão sido exactamente estes, mas o sentido era, certamente… ele respondeu que, constantemente, se tentava rodear de sangue novo, convidando inúmeros jovens músicos a tocar com ele, acrescentando com extrema humildade que era com eles que mais aprendia…

Independentemente da importância destas palavras, elas ficaram gravadas na minha memória…

Interceptando de alguma forma esta reflexão e num âmbito muito diferente, lembro-me igualmente de uma crónica apresentada na revista SurfPortugal, cujo título andaria perto de “É melhor ser novo ou velho?!”… A crónica, se não estou novamente em erro, debruçava-se sobre os pontos positivos e negativos da idade perante a prática do surf. Não tendo tido a paciência de ir procurar nos meus arquivos a revista com tal crónica, deixo aqui a impressão que interessa agora para este texto… Penso que na mesma se dizia que, se por um lado quando se é novo é mais fácil evoluir, aprender coisas novas e se tem mais pujança física, por outro, quando se é mais velho a experiência é uma vantagem para tirar melhor proveito das situações…

No Domingo último e após ter passado mais duma semana de férias e consequentemente sem ter acedido à internet, liguei o computador, o messenger abriu automaticamente e fui logo interpelado… era o Custódio, um amigo de Évora que conheci no fórum Atitude-Surf. Conhecer pessoas pela net tem sem dúvida as suas vantagens, em especial num fórum, pois são logo trocadas impressões um pouco mais profundas e reflectidas desde o primeiro momento… Isto para dizer que, apesar de apenas nos termos encontrado pessoalmente uma meia dúzia de vezes, já nos conhecemos relativamente bem e desenvolvemos muita empatia de parte a parte…

Em apenas cinco minutos tinha sido convidado por ele para uma surftrip de um par de dias à Costa Alentejana, tinha aceitado e já combinávamos como íamos, onde ficávamos e os restantes pormenores. Por muito que o desejemos, raramente nos entregamos de forma tão natural aos nossos instintos ou nos podemos dar ao luxo de quase sem ponderar tomar este tipo de decisões, mas foi precisamente isso que aconteceu… a meu ver a espontaneidade acresce a probabilidade de sucesso duma viagem e para mim este foi um óptimo prenúncio…

Depois de inúmeras surftrips por aquele trecho da Costa Portuguesa, afigurava-se me difícil experimentar sensações de novidade, de surpresa ou de descoberta… Tudo vectores directamente proporcionais à diversão, ao gozo e à satisfação que de uma viagem podem decorrer… no entanto e felizmente, não poderia estar mais enganado…

Comigo e com o Custódio foi também o Daniel e o Bruno... Do Daniel, cujo nickname é Maverick no Atitude-Surf, não conhecia muito para lá da boa disposição e simpatia que costuma apresentar no fórum, o Bruno não conhecia de todo, mas fiquei a saber ser um primo afastado do Custódio, ter 17 anos e que iria connosco para experimentar pela primeira vez a surfar… Para além de apresentarmos todos uma experiência muito diferente no que toca ao surf, também o leque de idades era muito variável… O Daniel com 21 anos já começou a surfar há uns anitos e apercebi-me que já se começa a entender com as técnicas básicas do mesmo. O Custódio com 24 anos, que há muito acompanha a cultura que envolve o surf e que desde cedo experimentou a fazê-lo, só agora, com a compra recente de uma prancha realmente adequada ao seu físico, começa a dar os primeiros passos mais à séria na sua aprendizagem… Eu, com 31, apesar do surf cheio de defeitos que apresento era o mais experiente na viagem, já com uma dúzia de anos a surfar…

Apesar das condições do mar terem estado muito longe das ideais, muito houve para além do surf e estes dois dias estiveram recheados de bons momentos e excelente entendimento… Mas o que me deu um gosto especial aos momentos vividos foi, a meu ver, uma questão fulcral… O facto dos meus companheiros de viagem se estarem a entregar aos momentos da forma como só o fazemos quando eles são para nós uma novidade… Bebi-lhes e embebi-me na forma genuína como eles viveram estes dois dias… Para mim essa é a grande vantagem da inexperiência e de ser mais novo, o facto de se conseguir estar presente inteiramente num momento, vivendo-os com sentimentos exacerbados, mesmo que não se tenha plena consciência disso…


De facto consegui voltar a reviver a primeira vez que entrei dentro de água com uma prancha de surf, que me levantei em cima dela, que acampei nas dunas sob um céu estrelado de Agosto, que fiz uma fogueira na praia e degustei com prazer absoluto os petiscos nela cozinhados, que saí à noite de pele e cabelo salgado pelo mar, inebriado pela atenção feminina, que estive na praia desde a manhã até depois do pôr-do-sol, que partilhei momentos irrepetíveis de humor… ao fim ao cabo consegui, estranhamente, voltar a fazer a minha primeira Surf-Trip!